Aquiles por Belvedere Bruno
1-
Conte-nos quando, e como, teve início o Grupo MPB 4.
Nós
nos conhecemos no Centro Popular de Cultura (CPC) da UFF, em Niterói, em 1963.
Nós quatro formávamos o Quarteto do CPC. Éramos um grupo grande de estudantes
dispostos a fazer arte popular para, a partir dela, conscientizar o povo.
Tínhamos
a utopia de que, se utilizássemos a linguagem popular, seria fácil fazermos com
que o povo caminhasse com a gente rumo ao socialismo.
Veio
o golpe de 64 e nossos sonhos de uma revolução popular socialista foi esmagado
pela repressão que veio forte e desmantelou as entidades estudantis, os
sindicatos dos trabalhadores e as Ligas Camponesas.
Foi
quando o Quarteto do CPC, por motivos óbvios, já que a UNE havia até sido
incendiada, nós nos rebatizamos como MPB4.
Até
que, em julho de 1965, durante as férias escolares, nós viemos para São Paulo,
onde depois de nos apresentar em vários programas de sucesso da TV,
principalmente no O Fino da Bossa, de Elis Regina, Jair Rodrigues e Zimbo Trio,
fomos convidados a ficar na capital paulista para darmos início a uma carreira
musical profissional.
2-
De onde surgiu a idéia do nome do Grupo?
Miltinho
e Magro estudavam Engenharia na UFF e Miltinho organizava alguns shows de bossa
nova, onde os dois, junto a outros três músicos, formaram um grupo instrumental
a quem deram o nome de MPB5. Convém lembrar que esta, até aonde temos
conhecimento, foi talvez a primeira vez em que a sigla MPB foi usada. Com a
necessidade de dar um novo nome ao Quarteto do CPC (nome banido até por
questões de segurança) e como o quinteto de bossa nova estava praticamente
desativado, Miltinho e Magro sugeriram que nos chamássemos MPB4.
3-
Nos anos sessenta, o Grupo aproximou-se de intelectuais e movimentos que
resistiam à Ditadura. Como isso ocorreu? Quais as conseqüências positivas dessa
aproximação?
Nossa
formação musical vem deste momento efervescente, em que os CPCs tiveram atuação
marcante. Para se ter uma idéia de como nós víamos vivíamos a música naquele
período basta dizer que nos considerávamos militantes que cantavam.
Esta
disposição, talvez tenha sido um dos fatores que propiciou a longevidade do
grupo. Não tínhamos pretensão ao estrelato nem à fama, mas a fazer de nossa
música uma forma de denunciar e protestar contra as arbitrariedades praticadas
pela ditadura militar.
Mas
se por um lado isto nos trouxe uma personalidade política e cidadã, por outro,
a música ficou em um perigoso segundo plano. Em detrimento dela, colocávamos
quase sempre as nossas idéias de militantes em primeiro lugar. Ou seja, o que
ganhamos como conteúdo ideológico e político, perdemos ao não nos preocuparmos
com o devido empenho com o qual deveríamos reverenciar a música.
4-
Como conseguiam manter a criatividade em meio à repressão da Ditadura? Pode nos
falar sobre as dificuldades que enfrentaram?
A
censura e a repressão recrudesceram para valer a partir de 1968, com a
decretação do AI-5. Tivemos problemas enormes com a censura. Diversos shows
nossos foram proibidos (alguns na íntegra, uma semana depois de estreados).
Fomos intimados diversas vezes a prestar depoimentos no DOPS e na Polícia
Federal (aonde chegávamos e não tínhamos certeza quando sairíamos).
Como
forma de nos mantermos vivos, musical e politicamente, e ainda sobrevivermos
profissionalmente, decidimos trilhar um caminho difícil. Nunca nos policiaríamos.
Censores eram os caras, nós éramos intérpretes. Sentíamo-nos como se fôssemos
jornalistas musicais de um momento de enormes dificuldades por que passavam o
Brasil e os brasileiros. E assim foi. Exercemos nossa profissão, durante
décadas, como se andássemos sobre o fio de uma navalha. Não faltaram cortes e
cicatrizes, mas sobraram orgulho e a sensação do dever cumprido.
5-
A participação do MPB 4 em festivais teve momentos marcantes. Poderia nos
contar alguns?
Nós
começamos a cantar num momento em que a música era tratada pela televisão com
muito mais respeito do que o que a ela é hoje dado pelas emissoras.
Já
em 1996, em nossa estréia num festival, conseguimos classificar a música Canção
de Não Cantar, de Sérgio Bittencourt, em 4° lugar. No ano seguinte, cantamos
Roda Viva, junto com Chico Buarque (3° lugar) e, neste mesmo festival, ainda
chegamos em 6° lugar com o frevo Gabriela, de Chico Maranhão. Depois, uma
seqüência infindável de participações, não só nos festivais da Record, mas
também em tantos outros que surgiram: Bienal do Samba; Festival Internacional
da Canção Popular, da TV Globo; Festival Universitário e tantos outros.
Naquele
momento, principalmente a TV Record, de Paulo Machado de Carvalho, via na
música um bom negócio, uma maneira de faturar e fazer seus negócios
progredirem. Assim, diariamente, no horário nobre, havia um musical: O Fino da
Bossa; Pra Ver A Banda Passar (com Chico Buarque, Nara Leão e MPB4); Bossaudade
(com Elizeth Cardoso e Ciro Monteiro; Show em Si...monal (com Wilson Simonal);
Jovem Guarda (com Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa e outros).
Os
festivais eram, então, apenas uma decorrência de uma política de programação em
que a música era o ponto alto. Os festivais lançavam as músicas e os programas
diários tratavam de perpetuá-las no coração e na alma dos telespectadores. A
audiência da final de um dos festivais da Record era, algumas vezes, superior a
que hoje o Ibope registra no último capítulo de uma novela das oito, da TV
Globo.
6-
Conte-nos sobre algumas experiências do Grupo no exterior.
Foram
tão poucas, Bel... Quase todas com Chico Buarque: Roma, várias cidades de
Portugal e da Argentina e Cuba. E, Junto com o Quarteto em Cy e Milton
Nascimento, Punta Del Leste. É como o Magro costuma brincar na apresentação de
nosso show “MPB4 em Recital”: “Estamos chegando aqui, vindos de uma excursão
vitoriosa por várias cidades do mundo, todas elas aqui no Brasil, mesmo...”
7-
Que músicas considera as mais marcantes do Grupo? "Amigo é pra essas
coisas" seria uma espécie de marca registrada?
Amigo
é pra essas coisas, sem dúvida, é a nossa cara. Tem também Roda Viva, Vira Virou,
O Pato etc.
8-
Quais os compositores mais cantados pelo Grupo?
Chico
Buarque, Tom Jobim, Milton Nascimento, Noel Rosa, Ivan Lins, Djavan, foram
compositores muito gravados por nós. Inclusive, os homenageamos com CDs
dedicados à suas obras. Gravamos bastante coisa também de João Bosco e Aldir
Blanc, muito Paulo César Pinheiro, Gonzaguinha etc. etc.
9-
Qual a importância de Chico Buarque na trajetória do MPB 4?
Chico
começou sua vida profissional, justamente quando começávamos a nossa. Antes de
trabalharmos juntos, ficamos muito amigos. Amigos de copo, de ir à praia e ao
Maracanã. Amigos de jogar futebol. Estávamos sempre juntos. Não raro, éramos os
primeiros a ouvir a música que acabara de ser composta. Bons tempos, hein!? Num
determinado momento da carreira dele, todo show que ele fazia nós estávamos
juntos com ele. Hoje, profissionalmente, estamos distantes, mas a admiração que
sinto por sua personalidade e musicalidade só faz crescer.
10-
Pode nos contar como ocorreu a inclusão do grupo no Guiness Book?
Foi
um processo que demandou a apresentação de documentos que comprovassem a nossa
longevidade como quarteto vocal que até então nunca trocara um de seus
integrantes e também sem nunca ter interrompido a carreira. Conferidos os
documentos pela editora responsável pela sua edição, e só a partir daí, fomos
incluídos na edição brasileira do Guiness.
11-
O MPB 4 tem por estilo o bom gosto de seu repertório, nunca se prendeu a
modismo, sempre apresentando o melhor em matéria de música. Como vê o cenário
atual do país em relação à música?
O
“cenário atual do país em relação à música” não é dos melhores, não. Apesar de
continuar aparecendo dezenas de talentos, eles ficam segregados a um gueto, o
que dá a falsa impressão de que não há renovação na música brasileira atual. Há
sim! O que existe é aquela história do cachorro correndo atrás do rabo: as
gravadoras afirmam que não gravam os novos compositores ou os novos cantores ou
os novos instrumentistas porque as rádios não querem tocá-los; as rádios
respondem que não os tocam porque eles não têm discos para serem tocados e se
não têm discos, o público não os conhece; as televisões, por seu lado, insistem
em dizer que eles não poderão aparecer em seus raros programas musicais,
enquanto não tiverem um disco que seja tocado pelas rádios.
Se
um Chico Buarque surgisse hoje, certamente ele não conseguiria mostrar seu
trabalho ao grande e respeitável público. Nem Elis Regina! Nem Tom Jobim! Nem
Villa Lobos! Nem Baden Powell...
12-
O que poderia ser feito para que o público tomasse conhecimento dos novos
valores musicais, visto que muita coisa sem qualidade tem amplo espaço na
mídia?
Tem
de haver uma mudança radical na mentalidade daqueles que comandam a chamada
indústria de entretenimento. A mídia tem que acreditar que música é um produto
rentável, um produto que dá lucro.
E
os músicos precisam acreditar mais em si próprios e passarem a reclamar menos e
trabalhar mais. Cada um tem de ser dono do próprio destino. Traçar suas metas e
ir à luta! Os músicos devem ter nítida a necessidade e a possibilidade de
fazerem valer a força do seu trabalho, a força da música que é a maior
manifestação popular da Cultura Brasileira. Para reclamar existem os mecanismos
e os fóruns cabíveis para tanto, cabe aos músicos delegarem e apoiarem os que
podem representá-los digna e honestamente, e se dedicarem com afinco ao ofício
de criar beleza com seu talento musical.
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- Poderia citar alguns bons compositores da nova geração?
Existe
uma legião de excelentes compositores que poderiam ser citados como
pertencentes à nova geração, apesar de eles, em sua maioria, estarem na estrada
faz tempo. Aqui, cito de cabeça, sem uma pesquisa mais aprofundada, o que
aumentaria a lista imensamente, alguns poucos exemplos: Celso Viáfora, Paulinho
Moska, Vicente Barreto, Zeca Baleiro, Jean Garfunkel, Pedro Luiz, Zélia Duncan,
Cássia Eller etc. etc.
14-
Fale-nos sobre seus projetos literários.
Eu
tenho um romance, “Flopt”, escrito para o público juvenil, que está na Editora
Ática para ser avaliado. E tenho escrito um livro de contos infanto-juvenis,
que tem como título provisório “As Histórias de Zé Maria – um menino que sabe
muitas coisas” e que trará encartado um CD solo a ser gravado por mim. Este
ainda está aguardando, esperando o momento para ir às editoras.
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- Como vai o MPB 4, onde tem se apresentado e quais são os novos projetos?
Neste
momento, enquanto continuamos a nos apresentar em várias partes do mundo, todas
elas aqui no Brasil, mesmo, com o nosso “MPB4 em recital”, onde cantamos as
músicas que mais marcaram a nossa carreira de quase 40 anos.
Estamos
ensaiando quase diariamente na elaboração de um show previsto para acontecer em
julho. Este show, dirigido por Túlio Feliciano, será gravado e se transformará
no nosso primeiro DVD. Convidamos diversos amigos, grandes nomes da música
brasileira, colegas que admiramos e respeitamos, para que dividam o palco com a
gente. Estão confirmados: Chico Buarque, Zeca Pagodinho, Quarteto em Cy, Ivan
Lins, João Bosco, Dona Ivone Lara, Ivete Sangalo, Elton Medeiros e Caubi
Peixoto, ufa!! Dá até vontade de deixar este time maravilhoso no palco e a
gente se sentar na platéia para ouvi-los e aplaudi-los.
Mas,
para variar, as dificuldades para que a festa possa acontecer são grandes.
Estamos numa batalha insana por patrocínio. Existem algumas possibilidades
muito bem encaminhadas. Resta esperar. E torcer. E trabalhar... Muito!
Belvedere
Bruno é cronista
Niterói
- RJ