domingo, setembro 11, 2011

e o pobre violino ficou ali, exposto, jogado sobre o tapete...

O VIOLINO


Belvedere Bruno

Pairava mistério no casarão. A sete chaves, um violino Stradivarius estava guardado num armário do quarto de meus avós. Nada podia ser comentado perto das crianças. O fato lhes aguçava a curiosidade. Então, em uma das festejadas bebedeiras de tio Joca, perguntamos a ele o que era aquilo que escondiam. Quando bebia, soltava a língua. Ele, com ares de Sherlock Holmes, narrou-nos o fato. Seu irmão, nosso tio Jalmir, estudava violino com um professor estrangeiro que, antes de morrer, lhe deixara de herança o instrumento. Até aí, nada de mais. Porém, segundo os comentários, tratava-se de um autêntico Stradivarius, raríssimo, que valia milhões. Havia medo na família de que, se o fato viesse à tona, a cobiça alheia pudesse resultar em arrombamento de portas para roubar a preciosidade. Desde então, um mito foi sendo criado em torno do valioso objeto herdado por tio Jalmir. O tempo passou e, adolescentes, já podíamos manusear o misterioso instrumento. Era uma festa! No entanto, eu me perguntava, intrigada, o que teria tio Jalmir de tão especial para ganhar um Stradivarius legítimo. Sequer sabia tocá-lo! Os anos foram se passando e um dia meu pai decidiu dar um fim ao mistério. Levou o violino para ser avaliado por um perito em instrumentos musicais lá na Cinelândia, no Rio. Sofreu pressões, pois diziam que o homem poderia ficar com o verdadeiro e devolver um falso. Por garantia, colocaram algo marcando o instrumento. Alguns dias depois, meu pai retornou com o laudo técnico. O documento dizia, em outras palavras, que se tratava de um violino antigo, sem nada de especial e muito menos era um Stradivarius. Era falso! A comoção foi geral. Cada um mais sem graça do que o outro. Meu avô, que tinha certeza de que o instrumento era original, chegou a chorar. Senti pena. Eles teriam preferido continuar com a dúvida e mantido um mito, com toda a certeza! Nunca mais ouvi falar no violino. Na Semana Santa, fui até o casarão para ver o pessoal e surpreendi-me com Ana Paula rindo no quarto. Fui ver. Estava com o falso Stradivarius na mão, perguntando à mãe o que era aquilo. Antecipei-me e respondi que era uma história tão velha e sem graça que o melhor que tínhamos a fazer era navegar um pouco na internet. Sorrindo, seguiu-me de pronto, e o pobre violino ficou ali, exposto, jogado sobre o tapete...

3 comentários:

  1. Integra a seleção de Crônicas da família, a ser lançado um dia....rsssssssss
    Bjs
    Bel

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  2. Publicar um livro de "Crônicas da família"? Penso que seria uma excelente ideia, ou seja, uma boa maneira de lutar contra a erosão do Tempo e de preservar a claridade e a sombra de um passado que se confunde com o nosso próprio sangue.
    Numa época que, geralmente, privilegia o cálculo e expulsa a paixão, não será fácil partilhar vivências carregadas de memórias e de afectos, mas vale a pena, obviamente!
    Fico à espera...
    Um abraço
    Maria João Oliveira

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  3. Tenho "causos" e mais "causos" de família. Tenho "A orelha do coelho", que é hilário. Não posso deixar essas coisas se perderam na voracidade do tempo. Vou juntar tudo e publicar ano que vem.Obrigada.
    Bjs

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