quinta-feira, abril 05, 2012

Teria congelado a alegria dentro das fotos dos seus inúmeros porta-retratos?


O derramar  de tristezas



Belvedere Bruno





      Norma não nutria expectativas em relação à vida após inesperada separação. De nada adiantava lhe falar sobre possibilidades. O que desejava era a volta de Felipe. O casamento durara exatos 25 anos, comemorados com festa em prestigiado clube da cidade. Uma noite, ele, abruptamente, disse-lhe que não havia nada mais que justificasse a relação.

     Norma era atriz e escritora e, por conta da separação, abandonara ambas as atividades. Aos que perguntavam sobre a falta de uma reação mais condizente com uma pessoa de seu nível, ela dizia que, se escrevesse, derramaria tristezas. Faltavam-lhe alvoroços. Sobravam melancolias.

    Nuvens cinzas e espessas acentuavam sua sensação de desviver. Catava seus cacos, tentando  não  se despedaçar em meio à agonia. Se tentasse encenar, tudo soaria dramático demais.

Teria congelado a alegria dentro das fotos dos seus inúmeros porta-retratos?

     O som de um piano chegava até ela. Melodia de um tempo de quaresmeiras, doces colheitas, ânsias de paixão. Cores. Hoje, sua vida era um filme noir. Lágrimas, partidas e saudades.

       Da janela, observa um  navio que  desliza sobre o oceano. ─ Decerto carrega milhares de ilusões. Quisera ser uma das passageiras! - reflete.

        ─  Haveria, ainda, esperança?- indaga a si mesma, ao mesmo tempo que balança a cabeça negativamente. Com um copo de uísque na mão, constata que sua única certeza é quanto à fidelidade do álcool.

   Consciente de que os dias passarão e que não haverá mudança no cenário emocional, esfrega as mãos nervosamente, vai à janela e cai num choro convulso, murmurando: ─ Quisera, ao menos, voltar a sonhar colorido!

2 comentários:

  1. Belzinha,
    Lindo!
    E que todos possamos voltar a sonhar colorido
    depois das tempestades existenciaiais das quais ser humano nenhum escapa.
    Além da beleza das palavras, a lição no ventre
    das crônicas em que tudo são aprendizagens, e aprendo muito com seus escritos,
    beijos,
    Eliana Crivellari

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  2. Bel, sempre um prazer ler suas crônicas. Consegue textos limpos,aparados,e apurados onde tudo está dito.
    Bjs, nana

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