Belvedere Bruno
Tardes alternadas por sol e sombras parecem tecer tramas de nostalgia à medida que se aproxima a grande celebração: meus 70 anos. Escolho minuciosamente os cenários que farão parte do esperado evento: queijos , vinhos, música-ambiente, trajes, entre dezenas de itens que marcaram, de forma indelével, a minha existência. Vivenciei o apogeu dos Beatles, a era da cuba-libre, dos bailes orquestrados... Vi e ouvi Ray Charles cantar ao vivo Georgia on my mind.
Ah, meus tempos! Cá estou mergulhado em saudosismo, coisa que sempre abominei nos mais velhos.
A turma dos sessenta e poucos e dos setenta vai bem. Quase todos malham nas academias, correm nos calçadões e, por incrível que pareça, do pessoal da antiga, raros estão no andar de cima. A maioria já se casou duas ou três vezes, tem netos, e apenas eu optei pela liberdade sem vigilância.
Epa! Essa bochecha caída não me pertence, nem essa barriga! Mas não é hora de pensar nisso. Tenho que me ocupar com o grande dia. Se planejo uma festa de arromba, serei fiel ao meu contemporâneo, o rei Roberto Carlos. Estar em alto astral é imprescindível, embora a melancolia, às vezes, passe de fininho. É aquele vai e vem.
Os trajes da festa serão anos 60, porque foram os do apogeu, dos sonhos, da liberdade! A convidada especial, Ilse, musa de minha vida há décadas, será uma exceção, pois irá glamurosamente trajada à Rita Hayworth, de vestido longo e esvoaçante, tal qual nos inesquecíveis musicais . Tudo praticamente pronto. No bufê, constará o que existe de mais sofisticado, porém o clima será antigo. Vêm-me à mente aquelas fotografias em sépia. É como defino o cenário que sonho para a celebração. Músicas da década de sessenta, setenta, e filmes num telão, entre outras coisas, mostrarão, também, a época em que cheguei ao mundo: anos 40!
O bolo... Bem, será uma surpresa . Hollywoodiano. Omito detalhes, por medida de segurança. E se a notícia vaza para as colunas dos semanários locais ?
Quanto a mim, estarei vestido à Elvis Presley, que sempre foi meu ídolo. Faltará a cabeleira, com certeza. Serei um Elvis nos seus derradeiros dias. Gordo, menos ágil, e sem o brilho que encantou multidões.
Mas o importante em tudo isso é a certeza do quanto a minha vida vale a pena ser vivida. E celebrada!
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