domingo, novembro 06, 2011

Tento, mas dói fundo ver tantos tesouros desfigurados

O vazio do tempo


Belvedere Bruno


  Saudade sim! Saudade de um tempo colorido, em que se andava pelas ruas e se viam crianças brincando com  bola de gude, jogando vôlei, trocando figurinhas. Vizinhança que mais parecia  extensão da família. Pedir isso ou aquilo emprestado, receber e retribuir  doces caseiros,  bolos quentinhos e, com fervor,  abrir as portas  à  visita itinerante de Nossa Senhora.
     Para onde foram os meus cenários? O que foi feito das casas, dos muros multicores, dos canteiros?
   Desconstruções. Medo. Não sei onde deságuo esse incômodo, essa agonia.  Flashes vêm  e vão, até que nada reste, sequer  em minha imaginação. Perco  referências e  sinto-me  diluir no  dia a dia.
  Queria, ao anoitecer, voltar a brincar de roda, ver o  velho vendedor de amendoim torradinho, tentar, sem nunca  aprender, a rezar o terço.  Quanta nostalgia!, dirão. Pudessem  invadir minha alma! Talvez assim me entendessem, ou perdoassem.
   "Acalma teu coração, sai desse  desassossego!", diz meu  eu  interior.  Tento, mas dói fundo ver tantos tesouros  desfigurados. Nada resta. Como não ter saudade se, no lugar dos canteiros, há grades; no lugar dos vizinhos amorosos, seres monossilábicos; no lugar das crianças, solidão de alegria?
  Em devaneio, percorro as ruas, de norte a sul. Sinto  o ar puro, decerto pela abundância de árvores  pelos caminhos.  Inspiro  e expiro.   Calmarias .  É delicioso  o  aroma das flores, a liberdade no transitar.  Colho amoras e  pitangas bem pertinho de onde  morava. Os morangos, ah! lembro bem que esses nunca cresciam, mas, mesmo assim, ficava feliz só de vê-los nascer.
   Volto ao agora. Que sensação de imperturbável vazio.

Um comentário:

  1. Onde está Fiipa? Visualizo-a caminhando em campos floridos,sorrindo e em paz, longe do corpo enfermo, plena no espírito em luz! Filipa vive!
    Belvedere

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